Monte St Michael - Penzance, Cornualha. Foto: Victor Guidini |
Preparativos
Para essa viagem decidimos encarar 5 horas de trem levando
nossas bicicletas. As bikes são bem-vindas nos trens aqui no Reino Unido mas
tem que reservar o espaço para elas com antecedência pois cada trem de 400
passageiros tem só cinco vagas de bike.... Ou seja... é correr para reservar...
Tudo reservado e preparado... então era só pedalar do
trabalho para Paddington Station e pegar o trem, certo? Hum, não... as bruxas
pareciam estar soltas... Na manhã daquele dia tanto o meu pneu dianteiro quanto
o pneu traseiro do Victor furaram na chegada ao trabalho. Incrível! Bom, o
jeito foi gastar a hora do almoço trocando pneu e correndo atrás de câmara nova
antes de viajar... Tudo resolvido... a noite nos mandamos para Estação de trem –
Estação de Paddington. Paddington é a principal ligação entre Londres e o
sudoeste inglês e o País de Gales. O prédio da estação foi construído em 1854
em estrutura de aço e vãos com até 31 metros. Ao longo dos anos o prédio foi
ampliado e conectado a linha do metro (Bakerloo line – marrom). Para mim, como arquiteta, só o prédio da
estação já é uma atração turística em si.
Chegamos com antecedência, e como era de se esperar para véspera
de feriadão, estava lotada. Paramos para comer alguma coisa no Pret-a-Manger (uma
rede grande de cafeteria em Londres que vende sanduiches com bom custo benefício).
Já lanchados, fomos para o telão esperar o número da plataforma ser anunciado.
Mais uma vez as bruxas deram seu sinal... o trem atrasou. Tudo bem que foram só
20 minutos, mas foi o suficiente para o embarque ser uma correria. Quando vimos
o número da plataforma no telão corremos com nossas bikes e com a multidão para
o trem. Fomos os últimos a chegar no vagão das bikes, que já estava lotado.
Estacionei e amarrei a bike em uma tira de velcro (uma espécie de “cinto de
segurança” para a bike) que tinha no lugar. No espaço em que o Victor
estacionou a bike a tira de velcro estava rasgada e ele teve que prender com
cadeado dele. Mas, claro que o cadeado não estava funcionando bem. Ele perdeu
um tempão até conseguir trancar a bike e ainda ouviu uma bronca do funcionário
da plataforma: “- Você está segurando um trem com 400 passageiros”. Saímos do
vagão das bikes voando com os nossos alforjes e entramos no primeiro vagão que
vimos e o trem partiu.
O trem também estava lotado. Tinha gente parada no corredor
e no hall de entrada do vagão. Pensamos que íamos conseguir chegar nos nossos
lugares indo por dentro do trem, mas não dava. O jeito foi esperar a parada seguinte
e ir para os nossos assentos no vagão certo.
Dia 1 – Monte St Michael
Chegamos de madrugada. Pedalamos até o B&B Dunedin,
estacionamos nossas bikes numa árvore e fomos para o quarto. Ficamos
impressionados com o conforto do quarto. Ótima cama, bom banho e o café da
manhã maravilhoso. O menu do café incluía
o tradicional café da manhã inglês com ovos, bacon, cogumelo, tomate,
linguiça, pão e ainda havia pelo menos umas seis opções de jeito de fazer ovos;
era ovo com pão, ovo mexido, ovo pochê, ovo frito, omelete com salmão defumado,
enfim era ovo para caramba oferecido sempre com café ou chá. Devo admitir que o
café era quase um irmão gêmeo do chá, bem aguado mas tudo bem, um pouco de
leite e açúcar sempre ajuda.
O B&B é tocado pelo John e pela Linda, um casal muito simpático.
No primeiro dia, logo depois do café, John fez questão de nos dar dicas de
restaurantes e atrações na região e ainda nos informou a previsão do tempo para
os próximos dias: O primeiro dia seria cinza com muito vento e uma chuvinha
fina. Mas o tempo melhorava nos dias seguintes que seriam de céu aberto e menos
vento.
Praia Penzance - Marazion. Ao fundo o Monte Saint Michael. Foto: Victor Guidini |
Já que o clima não estava favorecendo o pedal, decidimos dar
uma volta a pé mesmo por Penzance. Penzance é uma cidade pequena de praia, com
uma rua principal para comércio e as residências ficam ao redor. A atração turística
mais famosa da cidade é o Monte St Michael, que é uma ilha pequena afastada 6
km do centro de Penzance. O acesso é feito por um pequeno caminho no mar na
maré baixa e por barquinhos na maré alta. Na ilha foi construído um castelo que
é quase um irmão menor (em tamanho e idade) do Monte Saint-Michael na Normandia.
Entre o século VIII e XI o Monte foi possessão da mesma ordem religiosa que controlava
o Monte Saint-Michael na Normandia, doado pelo Rei da Inglaterra Eduardo, o
confessor. Já no século XV, após o Rei Henrique VIII romper com o vaticano, o castelo
que foi transformado em um forte. No século XVII, logo após a guerra civil
inglesa, a família St Aubyn comprou o castelo pelo bagatela de 800 libras. Até
hoje a família vive no Castelo. Em 1954, a família doou
cerca de 3/4 do Castelo e de seu acervo privado para o National Trust (órgão
que cuida do patrimônio histórico), que é aberto à visitação e conservado pelo
Trust. O ¼ restante do Castelo ainda é propriedade privada da família que tem o
direito de residir ali por mais 938 anos, conforme o acordo de doação.
A caminhada pela cidade foi rápida, então nos empolgamos e
decidimos ir até o Monte St Michael pela praia. Chegamos no início da maré alta
e tivemos que pegar pegamos o barquinho para ir e para voltar (duas libras cada
trecho por pessoa). O Castelo é pago, ao contrário da maioria dos museus na
Inglaterra. Cada ingresso é cerca de 9 libras por pessoa e o passeio começa já
na subida pelas pedras de granito até chegar no Castelo em si. Como estava
ventando muito, com uma garoa fina e frio, a entrada no castelo foi super
acolhedora. Percorremos todos os cômodos e o que mais chamou a atenção foram as
vistas dos pátios externos do Castelo e a Capela. A Capela foi construída no século
XII, tem lindos vitrais e ainda é usada para as missas de domingo. Vale muito a
pena.
No final da tarde pegamos o barquinho e voltamos de ônibus
(a passagem é duas libras por pessoa) de Marazion para Penzance. Antes de
encerrarmos o dia paramos em um Pub indicado pelo John para jantar chamado Admiral
Benbow. O pub na verdade é um restaurante todo decorado com motivo de piratas e
barcos. Da para entrar bem no clima de praia da cidade. O ambiente é bem legal
e a comida é maravilhosa.
Dia 2 – Penzance – Porthcurno: 21 Km
Acordamos no segundo dia com um sol querendo sair e o vento
mais calmo. Tomamos café pegamos as bikes e seguimos pela ciclorota nacional número
3 (National Cycle Route 3) em direção a Land´s End. O caminho é lindo e começa margeando a costa
passando por Newlyn e Mousehole. Essas são duas lindas cidadezinha construídas
ao redor dos píeres que estão sempre cheios de barcos atracados. Saindo de
Mousehole pegamos uma subida (parte na bike e parte empurrando) e de repente a
paisagem mudou.
Entramos em uma atmosfera completamente rural com muitas
fazendas, plantações e criação de gado. Como ainda estávamos começando a
primavera as árvores ainda estavam começando a florescer mas a paisagem já
tinha lindos tons de verde da grama e amarelo das flores de Daffodils que já
estavam abertas.
Ciclorota nacional no. 3. Penzance - Land´s End. Foto: Victor Guidini |
Continuando na Rota 3, passamos por um pequeno povoado chamado
Lamorna com uma paisagem que nos lembrou o filme “As Bruxas de Blair”. A cidadezinha fica em um vale repleto de
árvores muito altas, folhas secas no chão e um riozinho correndo no meio. Um cenário
bonito, bucólico, mas um pouco sinistro.
Finalmente chegamos a uma bifurcação que nos levava ou para
Porthcurno (saindo da Rota 3) ou para Land´s End. Decidimos ir para Porthcurno.
Caminho teve muitas subidas e descidas e a estrada era um pouco estreita.
Chegamos lá para o almoço. Comemos um sanduíche no pub local e fomos no
Telegraph Museum para um café. Lá descobrimos que era daquela praia que saiam
os cabos de comunicação de conectavam o Reino Unido as suas colônias, entre
os anos de 1870 e 1970. Nos disseram que ainda hoje é possível ver os cabos enterrados na
areia se cavarmos um pouco.
Decidimos não ir para a praia e
continuar o caminho para o teatro Minack. O teatro fica na beira de um
penhasco. O palco fica no ponto mais próximo da encosta e tem como cenário de
fundo o mar azul profundo de Cornwall. A
área da plateia sobe em forma de uma arquibancada gramada até a recepção e
o museu do teatro. É um local único. A ideia desse teatro é de Rowena Cade, uma
moradora local aficionada por peças teatrais que decidiu fazer no jardim da
casa dela um espaço para apresentação de peças no início do século XX. Cotando
com a ajuda de dois artesãos ela fez parte do palco e arquibancada
para a primeira peça encenada lá em 1930, “The Tempest”.
Durante os anos muitas melhorias foram feitas e até hoje o teatro é utilizado
durante o verão para uma temporada de espetáculos. Explorando o teatro é
possível ter uma vista linda da praia de Porthcurno com sua areia branquinha e a
agua transparente e toda a paisagem árida e verde dos penhasco ao redor. É uma
beleza natural bem diferente do Brasil.
Na volta pegamos as bikes para tomar nosso rumo para Land´s
End. Quando comecei a pedalar senti que tinha alguma coisa errada com a
corrente. Comecei a mudar a marcha e senti que o pedal tinha travado.
Empurramos a bike para perto de uma casinha e percebemos que a corrente tinha
agarrado na carcaça da bike e tinha entortado. Conseguimos soltar a corrente do
lugar onde ela estava presa e procuramos a chave de corrente nas nossas coisas
para consertar.... Como as bruxas ainda estavam ao redor, claro que não
achamos. Fomos procurar alguma coisa que pudesse nos ajudar... e acabamos encontrado
duas pedras... pois é, duas pedras. O Victor, com a sua sabedoria de homem das
cavernas, colocou uma pedra atrás da corrente com a outra batia no anel da
corrente para tentar endireitar. Algumas batidas depois, percebemos que o plano
não estava dando certo. Largamos as pedras e de forma civilizada fomos procurar
ajuda no Minack Theatre. Mas como tudo na vida sempre pode ser pior .... No caminho de volta pro Minack Theatre eu
decidi testar a bike, tentei pedalar e pronto!... ganhei uma corrente e uma
marcha quebrada, só para facilitar. Bom, era só metade do dia mas o nosso passeio
tinha acabado de terminar. Definitivamente, a única coisa que nos restava
naquele momento era pedir ajuda. Fui na recepção do teatro ver se eles tinham
alguma ferramenta que pudesse ajudar, o Victor tentou pedir ajuda para um grupo
de ciclistas mas ninguém tinha a ferramenta. O que fazer? Decidimos voltar para
Porthcurno na esperança de conseguirmos colocar nossas bikes no ônibus para
Penzance e se tudo desse certo encontrar um bikeshop no dia seguinte para
resolver o problema.
No caminho para o ponto de ônibus tinha uma café. O Victor
resolveu parar e perguntar se havia algum ciclista morando ao redor que pudesse
ajudar emprestando alguma ferramenta. Quem sabe assim conseguiríamos consertar
a corrente e deixar a bike como uma bike fixa. Talvez assim daria para voltar
pedalando. Foi então que nos indicaram a casa do Tony. Chegamos lá e
encontramos o Tony na porta conversando com um vizinho. Pedimos ajuda. Uma
chave de corrente era o suficiente. Ele procurou, mas não achou nada que
pudesse nos ajudar. Foi então que ele nos ofereceu uma carona para Penzance. E
não só para Penzance mas para o bikeshop de Penzance! Você vai me perguntar:
“-Serio?!”. E eu te respondo: Sério!!!!!!!!! Foi inacreditável. Ele ainda deu
uma ligada para o bikeshop antes de sair avisando que estaríamos chegando pois
em quarenta minutos o bikeshop fecharia... Aí foi correria. Colocamos a minha bike
no carro dele e a bike do Victor no carro da filha do Tony. E, quase como
magica, 30 minutos depois eu estava no bikeshop em Penzance com a minha bike já
na oficina sendo consertada. Não tivemos palavras para agradecer ao Tony. Ele
nos deixou lá e voltou com a filha para Porthcurno. Eu e o Victor ficamos
esperando a bike ser consertada sem acreditar no que tinha acontecido. Com
certeza foi o maior presente de páscoa que já recebi.
Com a Bike consertada e redondinha para o dia seguinte,
paramos em um pub para encerrar o dia e comemorar a sorte de encontrar
pessoas tão especiais. Fomos em um Pub da rede Wetherspoons na rua principal de
Penzance. Essa rede de pubs tem a proposta de oferecer comida tradicional de
pub e bebida a preço bem razoáveis. Para nós é sempre um ótimo ponto de referência
para comer fora. Naquela noite celebramos a ajuda do Tony, a nossa sorte, a
felicidade de poder pedalar no dia seguinte, a vida. Cheers!
Dia 3 – Penzance – Land´s End: 50 Km
O terceiro dia amanheceu lindo! Dia de sol, pouco vento,
ótimo para uma pedalada para Land´s End. Tomamos um café reforçado, o Victor pediu
um Cornish Breakfast que é similar ao English Breakfast mas com uma linguiça
local e com pão frito, isso mesmo uma fatia de pão de forma frito como batata
frita (pois é, há sempre um primeira vez para tudo nessa vida). Eu fiquei no
omelete com pão. Bem alimentados saímos pedalando e dessa vez em direção a Land´s
End. Land´s End, como o próprio nome diz é o fim da terra, o pedaço mais
sudoeste da ilha e talvez o ponto da Inglaterra mais próximo do Brasil.
A pedalada foi super tranquila. As ruas e as estradinhas estavam mais vazias que no Sábado
e o passeio ficou bem mais agradável. Passamos por Lamorna novamente e no cruzamento
Porthcurno / Land´s End seguimos para Land´s End. No caminho passamos por uma
cidadezinha chamada St Buryan. Pequeninha e simpática com a Igreja e o Pub na
rua principal. Paramos para tirar a foto da Igreja e continuamos nosso
caminho na rota 3 para Land´s End.
Chegamos em uma vilazinha bem em cima de um penhasco. Paramos
em um estacionamento e decidimos ir até a ponta do penhasco para olhar o mar. Descobrimos
mais uma praia linda, areia branca, muitas ondes e logico muitos surfistas.
Apesar
da tentação de descer até a praia decidimos continuar nosso caminho na rota 3
até Land´s End. Seguimos por uma estradinha de terra bem perto dos penhascos
com uma paisagem cheia de pedras e uma grama verdinha e baixa.
Ao redor haviam
algumas casas e alguns cavalos pastando. A sensação de tranquilidade só não era
maior por causa do vento do mar que insistia em soprar forte. Chegando em Land´s
End descobrimos que o local é um verdadeiro empreendimento turístico com
atrações e shows para crianças, playground e restaurantes. Tudo estava bem movimentado.
Decidimos desviar da muvuca e fomos parar em uma lojinha tradicional do local
que tinha escrito na fachada a seguinte frase: “First and Last refreshment
house in England” (A primeira e última casa de “refresco” da Inglaterra). Paramos para tomar um sorvete com cornish cream (uma
espécie de creme de leite) e morango e um pé de moleque a moda inglesa.
De repente o tempo virou. O vento estava soprando mais forte
e vimos umas nuvens de preta de chuva vindo na nossa direção. Decidimos voltar. Pegamos
nossas bikes e tomamos o caminho da rota 3 novamente, só que agora voltando. Em
meia hora, já um pouco mais longe da costa, condição do tempo melhorou e seguimos
com mais calma.
No meio do caminho encontramos um
monumento histórico que não tínhamos percebido na ida (o que não faz uma
mudança de ponto de vista). O monumento era tipo um Stonehenge e se chamava “Merry
Maidens” (“As donzelas felizes”). Ficamos curiosos e paramos para turistar e
tirar umas fotos. O monumento é patrimônio histórico de Cornwall e é formado
por 19 pedras com 1,5mts de altura posicionadas de forma circular em um
gramado. A explicação para essas pedras nessa posição vem de uma lenda local. A
lenda diz que há muito tempo atrás 19 moças passaram a noite do sabbath dançando
e celebrando músicas pagãs naquele local. Quando o dia amanheceu, os raios do
sol transformou cada uma delas em pedra e lá estão até hoje.
Voltamos para Penzance cheios de fome para um almo-janta. E claro, no Whetherspoon novamente. Pedimos o tradicional prato de domingo, o
Sunday Roast. Normalmente você pode escolher entre dois ou três tipos de carne
assada que é sempre acompanhada de vegetais cozidos, gravy (o molho para carne)
e o yorkshire pudding (uma massinha assada, como se fosse um pãozinho oco). Para
um domingão essa é sempre a pedida garantida. Valeu a pena!
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